Progressiva é a restrição às liberdades na Venezuela. Se programas sociais reduziram a pobreza, hoje a crise afeta também a ordem econômica
Em 23 de maio, o líder da oposição venezuelana Leopoldo López iniciou greve de fome por uma data para eleições parlamentares e pela libertação de mais de 70 presos políticos, com o fim da perseguição, da repressão e da censura no país. Em 21 de maio, presidentes do Uruguai e do Brasil exortaram a necessidade de “uma solução democrática” na Venezuela, com respeito à Constituição, à institucionalidade democrática e aos direitos humanos.
Tratar da Venezuela atualmente é sempre difícil, devido à acentuada polarização política: para alguns, a Venezuela viveria um regime ditatorial; para outros, seria o paraíso dos pobres. Crescentes são os riscos de autoritarismo e progressiva é a restrição às liberdades na Venezuela. Se, no passado, programas sociais permitiram reduzir a pobreza, hoje a crise afeta também a ordem econômica e social. Entre 1997 e 2010, a taxa de matrícula universitária no país cresceu 203%; entre 2003 e 2011, houve avanço na reforma agraria, com a distribuição de 178 mil direitos de uso da terra conferidos a famílias e a cooperativas.
Contudo, durante o governo de Chávez duplicou-se a taxa de homicídios, sendo Caracas a segunda cidade com o maior índice de homicídios no continente, de acordo com informe da ONU de 2015. Dados oficiais do Banco Central do país indicam que o nível de escassez de produtos de primeira necessidade é superior a 30%, incluindo uma grave crise no setor público de saúde, em virtude da escassez de medicamentos a caracterizar uma verdadeira crise humanitária. Durante o governo Nicolás Maduro, em 2013, a pobreza cresceu seis pontos percentuais, passando de 21,2% a 27,3%, segundo o Instituto Nacional de Estatísticas. A inflação em 2014 alcançou 68,5%, sendo uma das mais altas do mundo — diversos economistas estimam que em 2015 a inflação superará 100%, afetando sobretudo os setores mais vulneráveis.
No campo dos direitos civis e políticos — ainda que positiva seja a maior participação de mulheres em destacados cargos da estrutura do Estado — constata-se uma progressiva restrição à liberdade de expressão, com destaque à criminalização dos protestos sociais.
Desde 2005, mais de três mil pessoas foram submetidas a processo criminal por participarem de mobilizações sociais ou greves. Adicione-se, ainda, a militarização da segurança e das estruturas do Estado. Militares comandam quase todas as grandes empresas do Estado, na qualidade de ministros ou vice-Ministros. Implantou-se uma política de Estado radicada na discriminação por razões políticas, com a intolerância a qualquer forma de dissidência e com a qualificação de subversiva às críticas à gestão de governo. A este quadro soma-se a falta de diálogo dos setores políticos do país, incapaz de gerar consensos mínimos para enfrentar os crônicos problemas.
Os Estados sul-americanos compartilham de parâmetros protetivos internacionais acerca da promoção e consolidação da democracia. Respeito aos direitos humanos, acesso ao poder e seu exercício submetidos ao Estado de Direito, garantia de eleições livres, pluralismo político e independência dos poderes surgem como elementos centrais. O regime democrático requer, ainda, transparência, probidade, responsabilidade, liberdade de expressão, liberdade de associação e liberdade de imprensa. A crise venezuelana desafia o papel dos organismos regionais e internacionais como atores democratizantes a salvaguardar conquistas democráticas e avanços em direitos humanos. Neste contexto, aguarda-se do Estado Brasileiro uma posição mais firme, ativa e audaz visando à superação da crise política na Venezuela. Facilitar o diálogo, como mediador, invocando o urgente respeito às cláusulas democráticas e de direitos humanos do Mercosul surge como importante alternativa. Faz-se fundamental que o Brasil, no âmbito do Mercosul, da Unasul e do sistema internacional de proteção dos direitos humanos, possa contribuir com maior protagonismo para o fortalecimento da paz, da democracia e dos direitos humanos na Venezuela.
Flavia Piovesan é professora de Direito da PUC/SP e procuradora do Estado de São Paulo, Marino Alvarado Betancourt, advogado venezuelano, é membro da Provea, ONG de defesa dos direitos humanos.
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